sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Camilo Pessanha - 1


(Coimbra, Portugal, 7 de Setembro de 1867 – Macau, (China) 1 de Março de 1926)



Clépsidra
(Sonetos)



Inscrição

Eu vi a luz em um pais perdido.
A minha alma é lânguida e inerte.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...



Estátua

Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, frio escalpelo, —
O meu olhar quebrei, a debate-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.

Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão" Para bebe-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.

E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...

Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.



(Desce em folhedos...)

Desce em folhedos tenros a colina:
Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina...

Oh vem, de branco — do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te
Reflectir-te virgem a serena imagem.

Se silva doida uma haste esquiva
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar cor de rosa viva!...

Ligeira a saia... Doce brisa impele-a...
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo...
Alma se silfo, carne de camélia...



(Esbelta surge!...)

Esbelta surge! Vem das águas, nua
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexíveis e o seio fremente...
Morre-me a boca por beijar a tua.

Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! — para o expor à Morte...
Mas que ora — a infame! — não se te anteponha.


A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmago-a
De encontro à rocha onde a cabeça te há-de,
Com os cabelos escorrendo água.

Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.



(Desce por fim...)

Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevogável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.

A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas não logradas ou perdidas.

O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mãos. Viça uma flor...
Põem-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste...

Ias andar, sempre fugia o chão,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação...



(Imagens que passam...)

Imagens que passam pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...

Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
Porque ides sem mim, não me levais?

Sem vós o que são os meus olhos abertos?
O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...

Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
Estranha sombra em movimentos vãos.


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