segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Oscar Wilde - O retrato de Dorien Gray - cap. XI



"… Dedos pálidos sobem lentamente por cortinas que parecem estremecer… Sombras confusas, negras e fantásticas deslizam para todos os recantos da sala onde se agacham… Fora, os pássaros começam a esvoaçar entre a folhagem, homens vão para o trabalho, ouvem-se os suspiros e os queixumes do vento que desce das colinas e começa a errar em redor da casa silenciosa como se hesitasse em acordar aqueles que dormem, não obstante ter por missão arrancar o sono à sua vermelha caserna… Véu após véu, a delicada contextura da sombra afasta-se, devolvendo aos objectos as suas formas e cores, e a aurora, uma vez mais, reconstrói o universo na sua eterna aparência. Os espelhos baços voltam a reflectir. As velas sem chama descansam no sítio onde as haviam deixado, e, a seu lado, reencontramos o livro aberto pelo meio que começamos a estudar, ou a flor montada num arame que usámos durante o baile, ou ainda a carta que tivemos medo de abrir, ou que já relemos demasiadas vezes… Nada parede ter mudado. Das sombras irreais da noite, liberta-se a vida real que nos é familiar… Temos de a reatar no próprio ponto em que a havíamos deixado, vemo-nos obrigados a esbanjar a nossa energia em acções estereotipadas, aborrecida… Ou então, vem-nos um desejo louco de abrir um dia os olhos sobre o mundo que se teria renovado na obscuridade da noite, só para nosso prazer, um mundo de formas e cores novas onde nós próprios seríamos outros, com outros segredos, um mundo onde o passado pouco contasse, nada mesmo, onde, em qualquer caso, não subsistiria sob a forma de obrigações ou arrependimentos! Porque até a recordação das alegrias está imbuída de amargura. E a dos prazeres marcada de sofrimento. .



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