quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Lautréamont - Cantos de Maldoror - canto primeiro, quarta parte

Deve-se deixar crescer as unhas durante quinze dias. Oh, como é doce arrancar brutalmente da cama um menino que nada tem ainda sobre o lábio superior, e, de olhos muito abertos, fingir passar-lhe suavemente a mão na testa, puxando-lhe para trás os lindos cabelos! Depois, de repente, quando ele menos espera, enterrar-lhe as unhas compridas no peito mole, de modo a que não morra; porque, se morresse, não se teria mais tarde o espectáculo das suas misérias. Seguidamente, bebe-se o sangue, lambendo as feridas; e enquanto isto, que devia durar tanto como dura a eternidade, a criança chora. Nada é tão bom como o seu sangue, extraído do modo que acabado de descrever, e ainda quentinho; a não ser as suas lágrimas, amargas como o sal. Homem, nunca provaste do teu sangue quando por acaso deste um golpe num dedo? É bom, não é verdade? – porque não tem gosto nenhum. Além disso, não te lembras de, um dia, nas tuas lúgubres reflexões, teres levado a mão em concha ao rosto enfermiço molhado pelo que dos olhos caía – mão que depois se dirigia fatalmente para a boca, a qual absorvia as lágrimas a grandes tragos, nesta taça tremente como os dentes do aluno que olha obliquamente aquele que nasceu para o oprimir? Como elas são boas, não é verdade? – porque sabem a vinagre. Dir-se-ia que são as lágrimas da que mais amou; mas as lágrimas da criança são melhores ao paladar. Ela não trai, porque não conhece ainda o mal: a que mais amou trai mais tarde ou mais cedo… - adivinho-o por analogia, embora ignore o que é a amizade e o amor (é provável que nunca venha a aceitá-los; pelo menos na raça humana). Portanto, visto que o teu sangue e as tuas lágrimas não te causam nojo, alimenta-te, alimenta-te confiadamente das lágrimas e do sangue do adolescente. Venda-lhe os olhos enquanto lhe rasgas as carnes palpitantes; e, depois de teres ouvido durante longas horas os seus gritos sublimes, semelhantes ao agudo estertor que as gargantas dos feridos agonizantes soltam na batalha, então, depois de te teres afastado como uma avalancha, precipita-te do quarto do lado e finge vir em seu auxílio. Irás desligar-lhe as mãos de nervos e veias inchados, farás que os seus olhos perdidos voltem a ver, e põem-te a lamber-lhe as lágrimas e o sangue. Como então é verdadeiro o arrependimento! A chispa divina que em nós habita e tão raramente aparece mostra-se; tarde de mais! Como o coração rejubila por poder consolar o inocente a quem fizeram mal: «Adolescente, que acabas de sofrer cruéis dores, quem ousou cometer este crime que não tenho palavras para qualificar! Pobre de ti! Como tu deves sofrer! E, se a tua mãe soubesse disto, não estaria mais perto da morte, tão detestada pelos culpados, do que eu o estou agora. Oh, que são então o bem e o mal? Serão uma só coisa pela qual testemunhamos com raiva a nossa impotência e a paixão de extinguirmos o infinito mesmo pelos meios mais insensatos? Ou serão coisas diferentes? Sim… devem ser uma e a mesma coisa… pois, senão, em que me tornaria eu no dia do juízo? Adolescente, perdoa-me; foi este que está diante do teu rosto nobre e sagrado que quebrou os teus ossos e rasgou as tuas carnes, agora pendentes em diversas partes do teu corpo: Terá sido um delírio da minha razão doente, terá sido um secreto instinto que não depende dos meus raciocínios, semelhantes ao da águia que dilacera a pressa, que me levou a cometer este crime: e, porém, tanto como a minha vítima, eu sofria! Adolescente, perdoa-me. Uma vez saídos desta vida passageira, quero que fiquemos entrelaçados durante a eternidade; que formemos um único ser, que a minha boca fique colada à tua boca. E nem desta maneira será completo o meu castigo. Então, serás tu a dilacerar-me, sem te deteres nunca, com as unhas e com os dentes. Enfeitarei meu corpo de grinaldas olorosas para este holocausto expiatório; e sofreremos os dois, eu por ser dilacerado e tu por me dilacerares… com a minha boca colada à tua boca. Ó adolescente de cabelos loiros, de olhos tão doces, farás tu agora o que te aconselho? Queiras ou não, eu quero que o faças, e tornarás feliz a minha consciência». Depois de teres falado assim, serás amado por aquele mesmo ser humano a quem fizeste mal: é a maior felicidade que se pode conceber. Mais tarde, poderás interná-lo no hospital; porque, imobilizado, não poderá ganhar a vida. Dirão que tu és bom, e coroas de louros e medalhas de oiro, esparsas sobre a grande pedra tumular, de aspecto envelhecido, virão cobrir-te os pés descalços. Ó tu, cujo nome não quero escrever nesta página que consagra a santidade do crime, eu sei que o teu perdão foi imenso como o universo.Mas eu, eu existo ainda!

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