(Coimbra, Portugal, 7 de Setembro de 1867 – Macau, (China) 1 de Março de 1926)
Clépsidra
(Sonetos)
Inscrição
Eu vi a luz em um pais perdido.
A minha alma é lânguida e inerte.
Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído!
No chão sumir-se, como faz um verme...
Estátua
Cansei-me de tentar o teu segredo:
No teu olhar sem cor, — frio escalpelo, —
O meu olhar quebrei, a debate-lo,
Como a onda na crista dum rochedo.
Segredo dessa alma e meu degredo
E minha obsessão" Para bebe-lo
Fui teu lábio oscular, num pesadelo,
Por noites de pavor, cheio de medo.
E o meu ósculo ardente, alucinado,
Esfriou sobre o mármore correcto
Desse entreaberto lábio gelado...
Desse lábio de mármore, discreto,
Severo como um túmulo fechado,
Sereno como um pélago quieto.
(Desce em folhedos...)
Desce em folhedos tenros a colina:
— Em glaucos, frouxos tons adormecidos,
Que saram, frescos, meus olhos ardidos,
Nos quais a chama do furor declina...
Oh vem, de branco — do imo da folhagem!
Os ramos, leve, a tua mão aparte.
Oh vem! Meus olhos querem desposar-te
Reflectir-te virgem a serena imagem.
Se silva doida uma haste esquiva
Quão delicada te osculou num dedo
Com um aljôfar cor de rosa viva!...
Ligeira a saia... Doce brisa impele-a...
Oh vem! De branco! Do imo do arvoredo...
Alma se silfo, carne de camélia...
(Esbelta surge!...)
Esbelta surge! Vem das águas, nua
Timonando uma concha alvinitente!
Os rins flexíveis e o seio fremente...
Morre-me a boca por beijar a tua.
Sem vil pudor! Do que há que ter vergonha?
Eis-me formoso, moço e casto, forte.
Tão branco o peito! — para o expor à Morte...
Mas que ora — a infame! — não se te anteponha.
A hidra torpe!... Que a estrangulo... Esmago-a
De encontro à rocha onde a cabeça te há-de,
Com os cabelos escorrendo água.
Ir inclinar-se, desmaiar de amor,
Sob o fervor da minha virgindade
E o meu pulso de jovem gladiador.
(Desce por fim...)
Desce por fim sobre o meu coração
O olvido. Irrevogável. Absoluto.
Envolve-o grave como véu de luto.
Podes, corpo, ir dormir no teu caixão.
A fronte já sem rugas, distendidas
As feições, na imortal serenidade,
Dorme enfim sem desejo e sem saudade
Das coisas não logradas ou perdidas.
O barro que em quimera modelaste
Quebrou-se-te nas mãos. Viça uma flor...
Põem-lhe o dedo, ei-la murcha sobre a haste...
Ias andar, sempre fugia o chão,
Até que desvairavas, do terror.
Corria-te um suor, de inquietação...
(Imagens que passam...)
Imagens que passam pela retina
Dos meus olhos, porque não vos fixais?
Que passais como a água cristalina
Por uma fonte para nunca mais!...
Ou para o lago escuro onde termina
Vosso curso, silente de juncais,
E o vago medo angustioso domina,
— Porque ides sem mim, não me levais?
Sem vós o que são os meus olhos abertos?
— O espelho inútil, meus olhos pagãos!
Aridez de sucessivos desertos...
Fica sequer, sombra das minhas mãos,
Flexão casual de meus dedos incertos,
— Estranha sombra em movimentos vãos.
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